Os jogos infantis

OS JOGOS INFANTIS NO DESENVOLVIMENTO PSIQUICO DA CRIANÇA: DOS JOGOS COM O CORPO AOS JOGOS VIRTUAIS

Martha Wankler Hoppe1

Resumo
Este estudo reúne os conhecimentos atuais sobre o desenvolvimento infantil com foco da
atividade lúdica da criança. O brincar é tomado como a busca do sentido de existência para o
sujeito desde o seu nascimento. Cada fase evolutiva agrega novas habilidades que permitirão
a modificação dos jogos e sua progressiva substituição pelas interações sociais, produtivas e
amorosas. Para finalizar, é apresentada uma perspectiva dos jogos eletrônicos quanto a
influência no desenvolvimento das habilidades sociais da criança.
Palavras-chave: desenvolvimento psíquico; jogos infantis; jogos corporais; jogos eletrônicos.
Abstract
Abstract: This study puts together the recent knowledge of child development focusing on
the child entertainment. To play is taken as the search for a meaning of existence of the
person since his/her birth. Each maturation stage brings new abilities that will allow
modifications of the games and its progressive substitution for social, productive and love
relations. It is shown a perspective of the electronic games as an influence on the
development of the social abilities of the child.
Key-words: Psychic development; child games; body games; electronic games.

INTRODUÇÃO
Não há dúvida que brincar significa sempre
libertação.
Rodeadas por um mundo de gigantes, as
crianças criam para si, brincando, o pequeno
mundo próprio; mas o adulto, que se vê acossado
por uma realidade ameaçadora, sem perspectivas
de solução, liberta-se dos horrores do real mediante
a sua reprodução miniaturizada.
(Walter Benjamin, 2002, p.91)
Os jogos infantis, suas apresentações e
transformações ao longo da história humana e nas
diferentes culturas vêm sendo estudados a longa
data. A antropologia revelou que muitos jogos
infantis ocorrem da mesma forma em culturas
diversas. Estes estudos enfocam o que é o
brinquedo e o brincar na sua finalidade e enquanto
fenômeno social.
A psicanálise voltou-se para o processo
lúdico da criança e sua relação com o
desenvolvimento psíquico. Freud (1920) descreve e
analisa o jogo de uma criança de um ano e meio
como forma de manifestação de angústia diante da
vivência de afastamento da mãe. Ele afirma que na
expressão lúdica a criança busca a elaboração de
suas frustrações e traumas. Na repetição do
brincar, a criança expõe e, simultaneamente,
aprende a tolerar estas frustrações inerentes ao seu
desenvolvimento. O brincar, não responde apenas
ao prazer lúdico, mas à expressão da agressividade
que permite a elaboração das emoções mais
primitivas da criança.
Seguindo esta visão do lúdico como
processo de expressão do mundo interno, o escritor
Walter Benjamin escreveu sobre o tema do
brinquedo com sensibilidade e conhecimento. Ele
nos alerta para o equívoco básico sobre o sentido
do brinquedo: pelo senso comum, acreditava-se ser
a brincadeira da criança determinada pelo conteúdo
imaginário do brinquedo, quando, na verdade,
ocorre o contrário. É o desejo e a necessidade da
criança que transformarão o material que dispõe
em brinquedo.
“A criança quer puxar alguma coisa e torna-
se cavalo,
Quer brincar com areia e torna-se padeiro,
Quer esconder-se e torna-se bandido”
(Benjamin, 2002, p.93).
Podemos brincar com palavras, imagens,
figuras, sucatas e tudo aquilo que servir de
inspiração. Brincar é interagir no mundo,
transformar as coisas e aproximar distâncias e
diferenças.
O jogo é tratado por Benjamin (2002) como
“uma seqüência de ritmos que se organizam pela lei
da repetição”. Quando a criança diz: “Mais uma
vez!”, busca a vivência plena, de tudo poder, tão
intensa quanto a sexualidade no amor. Em Goethe,
o autor resgata esta necessidade humana
compulsiva de busca da certeza, da perfeição e da
completude:
“Tudo à perfeição talvez se aplainasse
Se uma segunda chance nos restasse.”
A segunda chance seria, para nós, a
esperança do prazer eterno? A criança ao pedir “De
novo!”, e “Mais uma vez!” e mais outra e de novo...
Não é, somente, mas também um desejo de
apropriar-se dos fatos de forma a prevê-los e
controlá-los. Estes compreendem memórias de
terríveis experiências primordiais. A repetição serve,
também, para saborear de maneira mais intensa
dos triunfos e das vitórias. Ao retomar a experiência
lúdica e “voltar ao início”, a criança recria para si
todo o fato vivido.
“A essência do brincar não é “fazer como
se”, mas um “fazer sempre de novo”,
transformação da experiência mais comovente em
hábito (Benjamin, 2002, p. 102)
A busca do prazer eterno, citado por
Benjamim, responde à experiência humana de
aprender a lidar com a realidade e a finitude da
vida. Reter o prazer torna-se uma forma de tolerar
a experiência frustradora. Freud(1920) analisou o a
motivação do jogo infantil em seu neto de um ano
e meio. Observou que o bebê repetia movimentos
de atirar longe do berço pequenos objetos e
brinquedos que havia alcançado, enquanto
verbalizava: Fort (o-o-o-o), que significa “fora”.
Este jogo se repetia quando sua mãe se afastava de
casa. Posteriormente, o bebê se utilizava de um
carretel amarrado em um barbante e jogava-o
longe e emitia sua significativa expressão: Fort.
Logo, puxava o barbante até alcançar novamente o
carretel em sua mão, saudando-o com um alegre:
Aqui. Para Freud, o bebê repetia em seu brinquedo,
de forma simbólica, a experiência emocional de
afastamento da mãe. Mesmo reconhecendo que o
prazer deste jogo estava no segundo momento, o
bebê repetia-o por completo, revelando que
necessitava ressarcir no ato uma apropriação desta
experiência emocional, penosa para ele. Este jogo

infantil caracterizado por fazer desaparecer e reaparecer
um objeto é significativo das primeiras
experiências de separação do bebê, vividas como
experiências evolutivas ou traumáticas.
A repetição de atos, além de seu valor de
resgate das experiências emocionais, Os hábitos,
formas de organização da realidade, são voltados às
necessidades pessoais de cada sujeito e carregam
uma função lúdica. Comer, dormir, vestir-se, lavar-
se são introduzidos e operados desde o nascimento
pelos pais ou cuidadores da criança. Quando
apresentados de maneira lúdica firmam-se de forma
mais significativa, pois se engajam na experiência
de prazer. Para assimilar o hábito, a criança
necessita descobrir seu aspecto mais atraente e
então, levará esta brincadeira para o resto de sua
vida. Benjamim (2002) entende que no hábito,
mesmo com suas formas mais enrijecidas e
estereotipadas, sobrevive em todas as suas
repetições e até o final um restinho de brincadeira.
Tanto nossas experiências de tristeza e frustração
quanto nossa primeira experiência de felicidade, de
forma fixa e irreconhecível, estão eternalizadas nos
nossos hábitos.
Por proporcionar o prazer da descoberta e
pela sua possibilidade de repetição, o jogo passa a
ser a forma mais utilizada pela criança de interagir
com o meio. No começo da vida a criança passa do
jogo com o corpo ao jogo com os objetos. Ao final
da infância e início da adolescência, a criança irá
abandonar estes objetos e reorientá-los para seu
corpo através de uma relação com um parceiro
amoroso, através dos jogos amorosos
(ABERASTURY, 1983).
DO NASCIMENTO AO PRIMEIRO ANO DE
VIDA: A CRIANÇA BRINCA COM OS OLHOS, SEUS
MOVIMENTOS E COM SEU CORPO
As observações do bebê em seus primeiros
seis meses de vida nos mostraram que o interesse
da criança se centraliza quase que exclusivamente
na mãe ou cuidador, cuja presença é reconhecida
pela voz e pelo olfato.
A mãe deve manter um contato com a pele
do bebê desde os primeiros momentos. A perda da
sensação de estar dentro do ventre materno é
mitigada com um bom contato físico, que permite
ao bebê elaborar a perda. Este contato físico será
gradativamente substituído por outro tipo de
contato em torno dos quinto e sexto mês de vida da
criança.
O pesquisador Daniel Stern escreveu sobre
as vivências do bebê nos quatro primeiros anos de
vida. No “Diário de um bebê” (1991) descreve
algumas situações vivenciadas pelos bebês e
momentos de interação sob o prisma de um bebê.
Neste texto, baseado em observações de bebês
muito pequenos ele comprova que a mãe é o eixo
tranqüilizador da criança.
Segundo Stern (1991), aos quatro meses e
meio o bebê sofre um salto dramático no seu
desenvolvimento. As capacidades para a interação
social despertam: o sorriso social emerge, começa a
vocalizar e faz contato olho a olho. Suas interações
sociais imediatas são mais intensas, mesmo que
passageiras. Limitam-se ao contato face a face e ao
“aqui e agora, entre nós dois”.
Desta forma não diluída, centrada na
relação com o cuidador, a criança explorará de
forma intensa este pequeno mundo social e
continuará até seus seis meses de idade
aproximadamente. Sua comunicação manterá o
sentido de meio de interagir com os outros e ler o
comportamento desses, que permanecerá por toda
a sua vida.
O marco de interação com o mundo é o
olhar: o que olha, onde olha e por quanto tempo.
Com três meses e meio já controla o olhar tão bem
quanto um adulto. Olhando para sua mãe já
consegue promover um encontro, porque ela
sempre responderá com seu olhar. Pode expandir
seu encontro com um sorriso expansivo e explosivo.
Pode também encerrar o encontro virando a cabeça
e evitando o olhar materno. Pode, também, recusar
o convite da mãe e declinar o olhar, terminando
com o encontro social e olhando definitivamente
para outro ponto. O bebê age como se os olhos
fossem as janelas da alma. Após sete semanas de
idade os bebês tratam os olhos como o ponto de
referência da face e a referência emocional da
pessoa com a qual está interagindo.
Quando você brinca de esconder com um
bebê, ele rapidamente mostra algum prazer
antecipatório quando você baixa o cobertor ou
lençol para revelar seus cabelos e testa. Mas
somente quando o bebê vê seus olhos explode de
alegria.
“As crianças de seis anos de idade ilustram
esta centralidade psicológica dos olhos de modo
diferente. Quando uma criança de seis anos cobre
os olhos com as mãos e você pergunta, “Posso ver
você?” nela responde “Não!”. Embora
habitualmente pensemos que a criança não imagina
que você pode vê-la, se ela não lhe vê, esse não é
o problema. Ela sabe perfeitamente bem que você
pode ver não apenas ela mas até mesmo suas
mãos cobrindo seus olho. O que ela realmente quer

dizer som “Não!” é, “Se você não pode ver meus
olhos, você não vê a mim”. Vê-la significa olhar
dentro de seus olhos” (Stern, 1991, p. 51).
Nos seres humanos o olhar mútuo propicia
fortes sentimentos, conforme o contexto. Os jogos
de “sério” das crianças estão baseados nesta
tendência, assim como as manobras dos adultos de
fitar os olhos. Quem afastará primeiro o olhar? O
que se perdeu ou ganhou fazendo isso? Neste
período o bebê está definindo o evento próprio ou
eventos do self, os eventos dos outros e os eventos
com os outros eu-com-o-outro.
Para Stern (1991) a imagem do mundo de
um bebê através da face materna pode ser assim
pensada:
“Entro no mundo do rosto dela. Seu rosto e
suas características são o céu, as nuvens e a água.
Sua vitalidade e vigor são o ar e a luz. Ele
geralmente é uma folia de luz e ar em ação. Mas,
desta vez, quando entro nele, o mundo está parado
e desinteressado. Nem as linhas curvas de seu
rosto nem seus volumes arredondados estão a se
mover. Onde ela está? Para onde foi? Tenho medo.
Sinto esta inatividade entrando em mim. Procuro a
minha volta pó rum ponto de vida para escapar.
Encontro-o. Toda a vida está concentrada
nos pontos mais firmes e mais suaves do mundo –
seus olhos. Eles mi puxam cada vez mais
profundamente. Levam-me a um mundo distante.
Perdido neste mundo sou embalado de um lado ao
outro pelos pensamentos que passam e agitam a
superfície de seus olhos. Vasculho suas
profundezas. E aí sinto as correntes invisíveis de
sua excitação correndo fortemente. Elas levantam-
se daquele poço e me tocam. Sigo-as.Desejo ver
seu rosto novamente vivo.(...)”Stern (1991).
Nesta descrição a mãe aproxima o seu rosto
do rosto do bebê, roça face contra face e o nariz do
bebê no nariz da mãe. A mãe faz caretas que
estimulam o bebê e o excitam. As trocas mãe-bebê
formam um jogo, neste caso, o jogo de tocar o
nariz. Alguns destes jogos mãe-bebê, são
internacionais: “vou te pegar!”; “fazer cócegas”;
“esconde-esconde” e seguem um padrão complexo
que vai além da pura diversão, seguindo regras. O
jogo mantém o bebê animado, porém não deve ser
demasiadamente excitantes e desorganizados, nem
entediantes a ponto de desinteressar o bebê. Estas
brincadeiras devem manter uma faixa ótima de
estimulação que deixará o bebê numa faixa ótima
de excitação e prazer.
É difícil manter esta faixa ótima pois os
bebês acostumam-se rapidamente com as
repetições, que tornam-se hábitos. Ao repetir o
movimento da mãe, o bebê busca um encontro de
imagem por imitação que servirá, posteriormente,
como fundamento para o processo identificatório.
Observamos que a repetição dos movimentos inclui
alguma mudança que manterá o interesse no jogo.
A partir do sexto mês já inicia o processo de
reconhecimento do fluxo de tempo, dos espaços
que distanciam as pessoas. Estas aproximações e
afastamentos, provocados pelos outros, já são
integrados pelo bebê. O bebê torna-se
progressivamente capaz de criar “paisagens
mentais” e compartilhá-las.
Aberastury (1983) considera o brincar de
esconder como a primeira atividade lúdica da
criança, que surge em torno dos quatro meses.
Stern (1991) identifica um jogo de interações
mútuas entre mãe e bebê neste período, que é
observado em torno de três a seis meses de vida da
criança e que prepara suas ações intencionais
posteriores. Quando o objeto de interesse do bebê
é escondido atrás do lençol, por exemplo, ela age,
inicialmente, quando não mais pode vê-lo, como se
o objeto parasse de existir. Num momento
posterior, vai em busca do objeto escondido.
Ao construir imagens mentais, a criança
conquista a capacidade de antecipação e de
planejamento. Os indícios desta conquista podem
ser evidenciados nas interações intencionais que
incluem a iniciativa e a resposta aos sinais dos
outros. Por exemplo: a criança olha para um
brinquedo no outro lado da sala e se interessa por
ele (abre o círculo de comunicação). Volta seu olhar
para a mãe a fim de conquistar sua atenção e
auxílio. Se, no momento, ela não está olhando para
o brinquedo e ele deseja que ela o faça, poderá
apontar para o brinquedo (segundo Stern, o bebê já
é capaz de fazê-lo aos nove meses) e com seu
braço estendido e seu indicador levantado. Ao
apontar o brinquedo, olhará através da mira de seu
braço e retornará o olhar em direção à mãe e
depois, novamente para o objeto – e assim
sucessivamente até a mãe olhar novamente para o
objeto.
A ação visa a atenção da mãe e esta
atenção é uma paisagem mental que acompanha a
virada da cabeça e o direcionamento do olhar. Com
a ação, muda a percepção de estar entre si e os
outros, para um reconhecimento do exterior. Assim,
o interesse por objetos escondidos acompanha a
experiência de eventos mentais encobertos.
A progressão entre ações e respostas
permitirão o fechamento do círculo comunicacional.
Ao receber o objeto pelas mãos da mãe ou do pai o

bebê pode abrir um grande sorriso, vocalizar, tocar
o objeto ou mudar a expressão facial, fechando o
círculo comunicacional. Esta capacidade é
estabelecida em torno dos oito meses, segundo a
Classificação Diagnóstica do desenvolvimento, 0-3
anos do (1997).
Os sons fazem parte do mundo lúdico da
criança. A percepção e a emissão de sons inicia no
segundo mês de vida quando a criança já é capaz
de coordenar a respiração. Surgem os balbucios ou
gorgeios, que são sons não específicos que evoluem
rapidamente para todos os sons imagináveis. A
partir dos seis meses surgem as repetições de
palavras emitidas pela mãe ou pai. Assim, podemos
compreender porque o balbucio compreende a
primeira tentativa de expressão verbal que são
repetidos nos meses seguintes na forma de um
brinquedo oral.
Para Aberastury (1984) a palavra
representa a superação do caos e significa para a
criança a recriação do objeto (termo que deve ser
compreendido como a representação inconsciente
das primeiras interações) no mundo interior e a
possibilidade de invocá-lo no mundo externo. A
aparição do objeto quando ela o nomeia ou o
chama, fortifica a vinculação da palavra ao objeto e
a reação emocional do ambiente com sua
linguagem. Estas experiências dão força, também, à
crença na capacidade mágica das palavras.
As verbalizações reforçam o sentido de
domínio diante de sua tentativa de comunicação
com a realidade. Assim como a palavra na criança
começa por sons separados, a música também
começa pela repetição de sons.
Considerando que o bebê, nas primeiras
semanas, já reconhece a voz materna. A voz não é
somente uma pessoa, mas esta pessoa por dentro.
O chocalho entregue à criança ao nascer constitui
um dos primeiros brinquedos oferecidos. Com os
chocalhos as crianças experimentam o domínio
sobre os estímulos do meio: os sons aparecem e
desaparecem conforme suas ações.
Os chocalhos têm como remanescente a
sonalha de cabaça. São usados pelos povos
indígenas como amuletos e carregam um valor
mágico. Podemos associar este valor simbólico da
cabaça com sua condição de um sinal que aponta
para a existência de algo oculto, não visto, que
deve ser identificado com a escuta atenta e com a
exploração do meio através dos movimentos. O
ambiente pode ser controlado pelos movimentos, e
por analogia, o pensamento passa a ser
considerado, possível de controle pelo movimento.
Para finalizar o primeiro ano de vida da
criança, é importante enfatizar a importância do
compartilhamento das paisagens mentais entre os
pais e o bebê. A medida que os pais expressam ao
filho quais são suas expectativas começam a moldálo
para torná-lo o filho com o qual sonharam. Se os
pais não estão em acordo sobre estas expectativas,
tornarão este “sonho” incompatível. O filho poderá
passar grande parte de sua vida tentando resolver
estas contradições dentro de si mesmo, ou sentir-se
compelido diante da tensão dos pais, de rejeitar
aspectos de um deles e conseqüentemente, de si
mesmo.
DO SEGUNDO AO TERCEIRO ANO DE VIDA
OS SONS, SIGNOS LINGUÍSTICOS E AS
DISTÂNCIAS MARCAR A EXPLORAÇÃO DO MUNDO
NO BRINQUEDO
Os autores concordam que após o
primeiro ano de vida, em torno de um ano e meio,
o bebê dá um salto maturacional, para o mundo
das palavras, dos símbolos e da auto-reflexão
(STERN, 1991; MARCELLI, 1998). Como uma
capacidade unicamente humana adormecida no
gene até este período, desabrocha de um momento
para o outro. As variações entre uma criança e
outra são grandes. Marcelli (1998) define que a
pequena linguagem (laleio ou fala de bebê) surge
neste período e se estende até o terceiro ano de
vida quando a linguagem torna-se enriquecida e
livre.
A comunicação da criança desta idade
caracteriza-se pela capacidade de usar
representações mentais conforme manifestado na
linguagem ou brinquedo de faz-de-conta, para
comunicar temas e idéias emocionais. Por exemplo,
a criança faz-de-conta que alimenta e coloca o bebê
para dormir, bate carros, etc, utilizando linguagem
simples. Estes gestos e linguagem podem ser
concretos e funcionais e estão relacionados a
experiências de rotinas cotidianas.
A partir desta idade, a criança pode
observar alguém teclar o número no telefone,
despejar leite em um copo. Noutro momento, no
mesmo dia ou após vários dias, imitará, teclando no
telefone ou despejando algo pela primeira vez em
sua vida. Para fazer isso ele deve ter criado e
mantido em sua mente um modelo de atividade e
deve usar este modelo como instruir a si próprio.
Assim, a criança retém e depois reproduz os
eventos em um palco mental. Isto é denominado
de imitação retardada.
Após os 18 meses a criança é capaz de
reconhecer sua imagem refletida no espelho. Antes

disso, não será capaz de diferenciar a si próprio da
imagem que está refletida no espelho,
demonstrando que ainda não estava reconhecendo
a representação especular. A partir de 2 anos e
meio a criança é capaz de elaborar, tanto na
simulação quanto na comunicação simbólica,
inúmeras idéias que vão além das necessidades
básicas, além de temas simples típicos da primeira
comunicação representativa. A criança será capaz
de usar a comunicação simbólica para transmitir
duas ou mais idéias emocionais de cada vez em
termos de intenções, desejos ou sentimentos mais
complexos, por exemplo, temas de intimidade ou
dependência, separação, exploração, agressividade,
raiva, orgulho de si mesmo ou exibicionismo. As
idéias não precisam estar relacionadas ou
logicamente associadas umas às outras. Um
exemplo: os caminhões colidem e, a seguir,
carregam blocos para construir uma casa.
A linguagem modifica a noção de passado,
presente e futuro. Além das imensas vantagens,
traz outras dificuldades como a distância entre as
palavras e as experiências. As categorias usadas
são simples (grande, pequeno) porém não
dimensionam particularidades e categorias
intermediárias. O uso dos braços para expressar o
tamanho, por exemplo, não ajuda a comunicação,
dando apenas uma aproximação grosseira. A
lentidão da linguagem deixa um hiato entre a fala e
a ação. Esta última é rápida e a linguagem pode
afastar-se e parecer empobrecida. A partir de então
a vida é vivida em paralelo, agora e para sempre. A
simples totalidade da experiência foi quebrada.
Este é o lado solitário do advento da linguagem,
pois as experiências verbais e não-verbais da
experiência viverão juntas durante todo o tempo.
Nesta fase, os bebês são capazes de
recordar experiências não verbais e globais que
podem ser e representadas sem serem transpostas
para palavras. Um evento não verbal pode ser
vivenciado de diferentes partes: cheiro, aparência,
textura e assim por diante. O cheiro de uma
aparência pode recordar o cheiro de uma
experiência passada e ao fazê-lo, o bebê pode
recordar toda a extensão de uma experiência
passada. As redes de representações não verbais
dos adultos podem ser desfeitas e seus fios
separados um a um; as redes das crianças nesta
idade não podem ser desmanchadas porque nunca
foram verbalizadas. Daí a importância do
tratamento psicoterápico para crianças que foram
submetidas a situações de grande estresse.
A capacidade dos pais de serem empáticos
com as experiências de vida do bebê é uma aliada
na formação de uma linguagem destas experiências
de frustração e tensão. Por exemplo, a mãe que
grita com o bebê quando este lambe o piso onde
está refletida uma luz do sol. Ao ser interrompido
nesta experiência, o bebê sofrerá uma ruptura na
subjetividade entre ele e sua mãe, por uma falha
momentânea de empatia. Os pais e cuidadores que
puderem ser empáticos com as experiências do
bebê, possibilitarão que ele construa uma
representação mental de imagens capaz de
diferenciá-lo e de permitir a ligação entre os dois
mundos que estão se apresentado em sua mente (o
dele e o da mãe). As palavras permitirão o
reconhecimento destes espaços simbólicos, sua
separação e diferenciação, ao mesmo tempo em
que possibilitarão a construção de uma
representação conjunta Eu-outro. A conquista da
linguagem é a condição para que estes mundos se
aproximem.
DOS TRÊS AOS SEIS ANOS DE VIDA A
CRIANÇA SE ENCANTA COM OS JOGOS
IMITATIVOS, DE FAZ-DE-CONTA E
REPRESENTACIONAIS
A curiosidade nunca satisfeita da criança
revela um importante momento de desenvolvimento
dos processos de raciocínio: a funcionalidade dos
objetos e do mundo. Através de associações e de
experimentação a criança irá descobrir e aprender.
Imita o adulto em seu brinquedo e experimenta
fazer funcionar coisas de seu próprio modo: “Deixa-
me fazer sozinho!”. “Me ajude! Me mostre!”.
(BRAZELTON, 2003)
Fazendo e experimentado a criança terá
uma sensação de domínio sobre si própria. Seu
mundo ainda faz sentido apenas quando diz
respeito a ela. Para entender o mundo precisa agir,
usar seu corpo, ver seu corpo fazer as coisas
acontecerem e também ouvir suas perguntas
respondidas. Os pais são recomendados a não
limitar a exploração da criança nem soltar as
rédeas: devem encontrar o equilíbrio entre o que
eles são capazes de tolerar e aquilo que se ajusta
ao estilo de aprendizado da criança.
Brazelton (2003) aponta que as diferenças
de gênero ainda são percebidas de forma concreta
nesta idade. Cabe salientar que aos dois meses de
idade o bebê já aprende as diferenças entre o pai e
a mãe na forma como falam com ele e nas
brincadeiras (padrões e ritmos de interações). O pai
tende a transmitir humor naturalmente, violando os
ritmos estabelecidos entre o bebê e a mãe. De um
modo geral, o pai viola ritmos para brincar; as mães
fazem carinho, alimentam e fazem outras coisas
sérias. Portanto, desde o nascimento a criança vai

sendo inoculada sobre o padrão de gênero, que
pode ser quebrado ou mantido de forma fixa. A
agressividade é manifesta nos atos com mais
freqüência nesta faixa etária. Os meninos, mais
facilmente, usam o corpo e a força física para
manifestar suas emoções e as meninas manifestam-
se com igual agressividade, porém, através de um
jogo de sedução e conquista.
A CRIANÇA DOS 7 AOS 9 ANOS: OS JOGOS
SIMBÓLICOS, DE REGRAS E A BUSCA DE
INSERÇÃO E DOMÍNIO DAS RELAÇÕES SOCIAIS
Os jogos simbólicos surgem, em seus
primórdios, no segundo ano e permanecem até o
nono ano de vida. Inicialmente, é através da
manipulação e da produção de imagens mentais e
sua repetição que a criança irá assimilar situações
novas. Os jogos simbólicos compreendem a
representação do cotidiano através da sua imitação
fantasiada. Ao “fazer-de-conta” a criança volta-se
mais à realidade e a modifica ao seu modo. Ao usar
seu corpo como meio de repetição dessa realidade,
passa a reconhecer a experiência concreta com o
mundo e a respeitá-la em seus limites. Segundo
Marcelli (1998), os jogos simbólicos são
caracterizados pela liberdade de regras, pela
imaginação e fantasia, pela ausência de um objetivo
explícito ou consciente para a criança. Apresenta
uma lógica própria com a realidade caracterizando a
assimilação da realidade ao "eu" .
No jogo simbólico, a criança vai
modificando sua percepção do mundo e
progredindo na busca de maior coerência com a
realidade. Na pré-escola, o raciocínio lógico ainda
não é suficiente para que ela dê explicações
coerentes a respeito de certas coisas. O poder de
fantasiar ainda prepondera sobre o poder de
explicar. Então, pelo jogo simbólico, a criança
exercita não só suas habilidades motoras e sua
capacidade de pensar ou seja, representar
simbolicamente suas ações, mas também, exercita
suas relações sociais e afetivas: salta, corre, gira,
transporta, rola, empurra, etc., usando seu corpo
como meio de expressão e interação. Assim é que
se transforma em pai, ou em mãe para seus
bonecos ou diz que uma cadeira é um trem.
Didaticamente, devemos explorar com muita ênfase
as imitações sem modelo, as dramatizações, os
desenhos e pinturas, o faz-de-conta, a linguagem, e
muito mais, permitir que realizem os jogos
simbólicos, sozinhas e com outras crianças, tão
importantes para seu desenvolvimento cognitivo e
para o equilíbrio emocional.
Os jogos simbólicos vão decrescendo com a
idade, enquanto os jogos de regras aumentam sua
freqüência devido a importância dada à relação e
código social. Os jogos de regras serão organizados
espontaneamente a partir do 7º. e 8º.ano de vida
Estrutura básica dos jogos infantis, segundo
Piaget (1975), pode ser classificada em Jogo de
exercício, Jogo simbólico/dramático, Jogo de
construção, Jogo de regras. O jogo de regras é
importante para a criança aprender a delimitação
do espaço do tempo, do tipo de atividade válida, o
que pode e o que não pode fazer. Por manter certa
regularidade, o jogo de regras permite à criança a
organização e a ação tornando-a habitual integrada
a sua personalidade. O valor do conteúdo de um
jogo deve ser considerado em relação ao estágio de
desenvolvimento em que se encontra a criança, isto
é, como a criança raciocina, adquire conhecimento
e integra suas experiências afetivas originárias na
família a vida escolar e social.
O JOGO NAS CRIANÇAS DE 10 A 12 ANOS:
MOMENTOS SIGNIFICATIVOS DE INICIAÇÃO E
EXPERIMENTAÇÃO DA GENITALIDADE
Neste período de pré-adolescência, os jogos
assumem um significado genital: preparação para a
genitalidade. A criança vai testar seus modelos
identificatórios e experimentá-los dentro do padrão
social em que está inserida. Assim, os jogos
adquirem a função de um exercício de
experimentação e significação de papéis. È testada
e intimidades e sociabilidade, como etapa de
ressignificação no processo identificatório.
O BRINCAR NOS NOVOS TEMPOS: OS
JOGOS VIRTUAIS E SUAS INSERÇÃO NO MUNDO
INFANTIL
Os jogos virtuais constituem meios de
interação complexos cujas especificidades
necessitam de uma explanação interdisciplinar.
Entretanto, sua inserção deve ser avaliada de
acordo com a capacidade da criança de diferenciar
a realidade, do mundo virtual dos jogos eletrônicos.
Os jogos eletrônicos proporcionam uma
experiência de faz-de-conta com imagens virtuais.
Este tipo de interação, além de exigir habilidades
mentais, manuais e viso-motoras proporciona um
desligamento do mundo real sensível e a
concentração mental em uma experiência virtual,
imaginária e fantasiosa.
Ao interromper sua imersão no mundo
virtual, a criança passa a re-encontrar o mundo
sensível das interações corpo a corpo, que serão
diferenciadas do imaginário virtual por carregarem
as emoções espontâneas e o prazer da descoberta
conjunta. O tempo de exposição à interação virtual,

quando excessivo, gera um estado de inércia e
desligamento que pode ser perigoso para crianças
pequenas, que necessitam integrar em suas vidas a
experiência do eu-corporal às experiências mentais
e emocionais.
A exposição excessiva acarreta um
desligamento do ambiente e das interações corpo-
a-corpo e corpo-ambiente, por este motivo, o
tempo de exposição deverá ser limitado pelos pais,
não devendo ser superior a duas horas diárias. Esta
limitação favorece a substituição das interações
virtuais pelas interações reais e significativas que
permitirão à criança desenvolver a capacidade de
discernir seu mundo imaginário do mundo real,
reconhecer seu corpo e estabelecer uma relação
empática com seus pares. Desta forma equilibrada
a criança poderá beneficiar-se de forma construtiva
e criativa da experiência com os jogos eletrônicos.
REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS
ABERASTURY, A. A criança e seus jogos.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1983.
BENJAMIN, Walter. Reflexões sobre a
criança, o brinquedo e a educação. São Paulo:
Editora 34, 2002.
BRAZELTON, T. B. 3 a 6 anos. Momentos
decisivos do desenvolvimento infantil. Porto Alegre:
Artes Médicas,2003.
ERIKSON, E. Infância e sociedade. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editores, 1976.
FREUD, S. Freud, S. Mas alla del principio
del placer. Em J. Strachey (Org.), Tradução de L.
Lopez-Ballesteros y de Torres. Obras Completas
Sigmund Freud Vol. 7. (pp. 2507-2541). Barcelona:
Biblioteca Nueva, 1972. (Originalmente publicado
em 1919[1920])
KLEIN, Melanie. A técnica psicanalítica
através do brinquedo: sua história e significado. Em
M. Klein, P. Heimann e R.E. Money-Kyrle. Novas
tendências na psicanálise. Tradução de Álvaro
Cabral. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980
(Originalmente publicado em 1955).
MARCELLI, D. Manual de psicopatologia de
Ajuriaguerra. Porto Alegre: Artes Médicas, 5ª. Ed.
1998.
NATIONAL CENTER FOR CLINICAL INFANT
PROGRAM. CLASSIFICAÇÃO DIAGNÓSTICA: 0 A 3.
Classificação Diagnóstica de Saúde Mental e
Transtornos do Desenvolvimento do Bebê e da
Criança Pequena.Tradução de Maria Cristina
Monteiro. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
PIAGET, J. A formação do símbolo na
criança . Rio de Janeiro: Zahar Editores(1975).
STERN, Daniel O diário de um bebê. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1991.
WINNICOTT, Donald. O brincar e a
realidade. Rio de Janeiro: Imago editora, 1975.



A Brincadeira do Fort/Da


Traduz semanticamente as palavras que se caracterizam pelo antagonismo de sentidos,
por exemplo: por presença/ ausência, aparecer/desaparecer, longe/perto...

A interpretação e o ato
na psicanálise com crianças

[...] A partir do estudo da brincadeira do Fort-Da, Freud conclui, em seu texto de
1920 Mais além do Princípio do Prazer, que “as crianças repetem experiências
desagradáveis pela razão adicional de poderem dominar uma impressão poderosa
muito mais completamente de modo ativo do que poderiam fazê-lo simplesmente
experimentando-o de modo passivo. Cada nova repetição parece fortalecer a
supremacia que buscam. Tampouco podem as crianças ter suas experiências
agradáveis repetidas com freqüência suficiente e elas são inexoráveis em sua
insistência de que a repetição seja idêntica.”
Lacan, nos Escritos, declara que Freud, numa intuição genial, apresentou-nos
esses jogos de ocultação, para que neles reconhecêssemos que o momento em que
 o desejo se humaniza é também o momento em que a criança nasce à linguagem.
O jogo do carretel é a primeira aparição da ausência da perda simbólica de um
Grande Outro. O Fort-Da fala da falta da mãe, não sendo somente de sua
simbolização que se trata, mas também do que cai, enquanto Real, do campo do
Outro. Esse jogo é a resposta do sujeito à ausência da mãe. Trata-se de fazer valer
a hiância, de dar conta deste objeto que cai e do que, no jogo, se realiza da própria
perda do sujeito. Esse objeto é real, sendo que o Fort-Da, enquanto repetição,
articula o simbólico e o real. A impossibilidade de repetir o mesmo aí se coloca;
há sempre, na repetição, algo de novo que se produz e, como objeto a, é chamado
a ser cedido.
A repetição é um ato, no qual o que se faz é mais uma vez perder. O brincar,
numa análise, vai por essa via.

O brincar na psicanálise com crianças, portanto, não é um brincar qualquer, um
brincar sem conseqüências, pois ele comportará a verdade do sujeito e deverá ser
lido no campo da articulação significante.
O brinquedo, na análise, dá suporte, dá corporeidade a esse objeto cessível,
aquilo que está para se perder (ex. caso F.). A análise é um trabalho de perda, que
faz-se através do objeto; é fazer do objeto um certo instrumento para que a perda
aconteça.
O analista, que está atento a esse brincar, intervém com seu ato, algo como um
despertar que coloca o ponto de emergência do objeto a como causa do desejo.

Beatriz Siqueira

Sofia Saruê

Vera Vinheiro

LETRA FREUDIANA- Ano X-nº 9


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